Informação

Todos os textos produzidos neste blog são devidamente referenciados com bibliografia citada ao final de cada artigo. A internet pode não ser confiável, nem livros tampouco. Assim, a avaliação de se a informação é verídica ou não, não coube a nós, mas sim, devidamente indicado. Partes dos artigos podem estar vinculados ao senso comum, ou a conceitos culturais. Por favor, não postem comentários sem devida referência bibliográfica e nem bobagens.

A última visita de Albert Speer a Hitler

Durante a noite em que Göring esperava, no Obersalzberg, uma resposta ao seu programa, e em que Himmler, em Lübeck, oferecia uma capitulação a Bernardotte, ocorreu em Berlim um terceiro fato interessante. Albert Speer fez sua última visita ao Führer, que procurava destruir, mas ao qual continuava desejando obedecer, como Himmler e como Göring. Tendo sabido em 23 de abril, em Hamburgo, que Hitler resolvera ficar na Capital julgou-se, dados os seus sentimentos e sua fidelidade pessoal, na obrigação de ir despedir-se dele. Cometera atos de desobediência e o que estava feito não poderia ser mais desfeito. Seu discurso, embora ainda não pronunciado, estava gravado e mantido em mãos seguras em Hamburgo. Hitler não tardaria em morrer e então o discurso seria difundido, e como Speer poderia estar vivo ou morto, não mais tinha a cumprir nenhum papel político. Resolvera, pois, ir a Berlim e expor a Hitler a decisão a que fora levado duranteo "conflito entre a fidelidade pessoal e o dever público". [Speer] ignorava quais seriam as consequências dessa confissão. Talvez fosse preso, talvez até fuzilado, mas pouco lhe importava, pois sua tarefa estava cumprida e ele pronto a aceitar tôdas as conseqüências do desvio de sua lealdade para com Hitler, lealdade que, de resto, continuava íntegra.

Não era mais possível ir a Berlim por rodovia. Speer foi de carro até Rechlin: dali a Gatow - o aeródromo ocidental da capital - num avião de treinamento. Encontrou em Gatow o general Christian, que acabava de deixar definitivamente o abrigo do Führer. Subiu, então, num Fleseier Storch, que aterrissou no eixo leste-oeste - a grande avenida que levava ao centro de Berlim - perto da porta de Brandenburgo, e encaminhou-se diretamente para o abrigo subterrâneo. Hitler ali se encontrava, com os sobreviventes de sua corte: Bormann, Goebbels, Ribbentrop, Krebs, von Below, seus adjuntos pessoais, e Eva Braun. Speer expôs detalhadamente a Hitler o que fizera no curso dos últimos tempos. Hitler escutou-o e parecia a Speer "profundamente comovido" por aquela franqueza. No final da confissão, nada aconteceu: Speer não foi prêso nem fuzilado. O incidente encerrou-se.

Por que motivo Hitler, que naqueles dias de universal suspeição não cessava de reclamar sangue, dos reféns e dos prisioneiros, dos oficiais alemães e de seus próprios servidores, se mostrou tão inesperadamente clemente com relação ao culpado Speer? Evidentemente, trata-se de pergunta que comporta muitas respostas. O doutor von Hasselbach, no estudo médico que fez sobre Hitler, notou que este era capaz de "odiar ferozmente em determinados casos, ao mesmo tempo em que perdoava praticamente tudo àqueles que amava", e talvez tenhamos aqui um exemplo desse caráter. Hitler certamente dedicava grande afeição a Speer, vindo daquele mundo "artístico" de que gostava tanto e que ele pessoalmente, intuitivamente escolhera para ocupar um dos postos mais delicados e ingratos da Alemanha. O fato de Speer ter sido sucedido, admiravelmente bem sucedido, naquela gigantesca tarefa, era uma questão adicional de estar satisfeito com ele e demonstra que a intuição de Hitler era às vezes justificada pelos resultados; ele não escolhia apenas Rosenberg e os Ribbentrop. Hitler, com seu habitual desprezo pelas sutilezas da linguagem, chamava Speer de "o maior gênio de todos os tempos". Mas talvez se possa encontrar ainda outra explicação. Quando Speer o viu, em 23 de abril, Hitler estava num estado de calma excepcional: a calma que segue a tempestade. Todos quantos o viram naquele dia são concordes em assinalar aquela calma e aquela paz interior que haviam sucedido às tempestuosas cenas da véspera (157). Desde muito tempo, disse Speer, não se mostrava tão tranquilo, tão humano. Havia mais de um ano que mantinha uma atitude brusca e tensa, resultante (Speer acreditava) da obstinada fé que, a despeito de todas as opiniões e evidências, mantinha na vitória final da Alemanha. Tendo, afinal, abandonado essa convicção insustentável, seu espírito se acalmara, e ele olhava o mundo com os olhos menos apaixonados, mais sábios, esperando a morte (dizia) como uma libertação ao fim de uma vida dura e toda feita de lutas. Talvez, naquela serenidade, não desse mais importância a uma desobediência, que parecia ser apenas formal, pois Speer viela confessá-la, e que não indicava nenhuma deslealdade profunda. E Speer saiu inesperavelmente indene das garras do leão. Mas Hitler não tardaria a sair dessa calma, que não lhe era natural. Bormann desde muito tentava convencê-lo que Speer o traía, e que a confissão deste confirmava em parte suas palavras. Hitler queixou-se, nos últimos dias, de que também Speer o havia abandonado (158), e seu nome foi omitido na lista do novo governo nazista, fixado pelo testamento político. Mesmo nesse momento, a calma de Hitler não era tão grande que se estendesse além de Speer, e este não tardaria a ser testemunha de maneira bem diferente com que seria tratada uma desobediência menos deliberada do que a sua.

Speer permaneceu no abrigo durante oito horas, enquanto aviões aliados bombardeavam o centro de Berlin e o Ministério da Propaganda ardia em chamas. Conversou com Eva Braun, que lhe contou a crise experimentada na véspera por Hitler, bem como as intrigas de Bormann contra seus rivais. Teve também mais duas palestras com o Führer.

A primeira versou sobre a decisão que Hitler tomara de ficar em Berlim. (...) 

A segunda palestra girou em torno do telegrama de Göering, que chegara aquela tarde. (...) 

(...)

Speer deixou definitivamente o abrigo de Hitler no dia seguinte, 24 de abril, às quatro horas da manhã. Ribbenrtop já havia partido e não mais deveria voltar. (...)

---
(157) Christian e Keitel confirmam a observação de Speer a esse respeito.
(158) Aximann.

Fonte: Trevor-Roper, H.R., Os últimos dias de Hitler, pp. 170-172, Ed. Flamboyant, 3a. Edição. Coleção A História que vivemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, aguarde moderação para publicação. Infelizmente existem muitos spammers.