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A Luta de Hirohito pela Rendição


A Luta de Hirohito pela Rendição

Por Coronel Bonner Fellers
Adaptado em 2013

Num dia de outono de 1945 eu me encontrava à porta da imponente Embaixada americana em Tóquio quando ali que chegou uma limusine preta. Dela saiu um japonês nervoso, de óculos e fraque e cartola. 

Quando abaixei a mão, após prestar-lhe uma rígida continência, ele a apertou com firmeza. Foi assim que, na qualidade de assistente militar do general MacArthur, conheci oficialmente Hirohito, o Imperador do Japão. Através dele e de seu gabinete, comecei a me inteirar dos fatos quase inacreditáveis que se precederam à rendição do Japão. 

Esses fatos comprovam irrefutável mente que a União Soviética conseguira frustrar, durante 6 meses, as repetidas tentativas japonesas entabular negociações da paz com os Aliados. Com o propósito de conquistar uma posição preponderante no Oriente, tanto territorial como política, a Rússia soviética planejou entrar na guerra no momento mais propício aos seus interesses. 

A decisão pessoal do Imperador de se render e a sua primeira tentativa de obter a mediação russa remontam a 14 de fevereiro de 1945, após a entrada das forças do general MacArthur em Manila. Convocou, então, para uma conferência, o príncipe Konoye, de tendências relativamente pacifistas e que fora, por 3 vezes, Primeiro-Ministro do Japão. Visivelmente abalado, Hirohito declarou-lhe, bruscamente, considerar inevitável a derrota e que, no entanto, os militares se obstinavam por prosseguir a luta. Alegavam que a rendição incondicional que era exigida pelos aliados significava sem dúvida, a determinação de destruir o regime imperial. 

Konoye manifestou a sua descrença de que os Estados Unidos estivessem empenhados em continuar lutando unicamente com o objetivo de abolir a dinastia do Imperador. Observou-lhe Hirohito a impossibilidade de uma negociação direta com os Estados Unidos, uma vez que os militares controlavam todos os meios de comunicação. Apesar de tudo, o que o Imperador desejava especialmente saber era se Konoye o apoiria na eventualidade de tais negociações. Com a pronta concordância do príncipe, Hirohito, a partir desse momento, passou a exercer pressão sobre os militares, com um vigor extraordinário. 

O Imperador os acusou de mentirem sistematicamente quanto ao progresso da guerra, a ponto de anunciarem o desembarque de tropas na costa oeste dos EUA e alardearem o afundamento de um número de navios superior ao de toda a Armada Americana. E comunicou-lhes ter dado instruções ao seu Ministro do Exterior, Hirota, para iniciar as negociações de paz através da Embaixada Russa em Tóquio. O golpe deixou os  militares estatelados. Embora relutantes, acabaram concordando, na esperança de que a mediação russa evitasse o ataque soviético a Manchúria. 

Melik, embaixador soviético em Tóquio, recebeu com frieza a proposta de  Hirota, fazendo arrastar as conversações por vários meses. Como preço da mediação russa Melik requereu enormes concessões territoriais. Essas exigências vieram reforçar, ainda mais, a intransigência dos militaristas. Nesse ínterim, o Embaixador Sato, em Moscou, informava o Imperador de que a atitude da União Soviética em relação à paz era de extrema frieza, e, embora aquela potência que não estivesse em guerra com o Japão, não discutiria nenhuma proposta que não se aplicasse na rendição incondicional.

Em tal contingência, o Imperador decidiu adotar uma medida drástica. Nomeou  primeiro-ministro Kantaro Suzuki, ainda rijo nos seus 77 anos, tão declaradamente pacifista que fora ferido  e dado por morto durante o levante dos chamados "jovens militaristas", em 1936. Procurava o Imperador por esse meio se fazer entender aos aliados seus propostos de paz. Pela primeira vez, desde o fim início da guerra, Hirohito contava com a colaboração de um líder de sua confiança pessoal, pois unia-os uma velha amizade. Confessou-lhe o Imperador, em segredo, não confiar no seu próprio Estado-Maior e não compreender porque se obstinava o mesmo a continuar uma guerra sem esperanças, com um criminoso sacrifício de vidas. 

Para grande surpresa de Hirohito e de Suzuki, nenhuma proposta de paz partiu dos Aliados. Enquanto se esgotava lentamente o mês de abril, crescia em Hirohito, dia a dia, a determinação de por termo à guerra. Um único ataque de aviões B-29, sobre Tóquio fizera 185.000 vítimas. Folhetos americanos, encontrados pelo próprio Imperador em seus passeios melancólicos pelos jardins do palácio, prometiam novos bombardeios, de igual envergadura. Os militares, entretanto, mostravam-se inabaláveis. Quando ocorresse a invasão, aseveravam, derrotariam os americanos nas praias, causando lhes baixas tão pesadas que poderia o Império estar em posição de obter melhores condições de paz.

Durante o mês de maio e princípios de junho, enquanto o Imperador e Suzuki elaboravam secretamente uma fórmula aceitável de rendição, os bombardeios destruíram, sistematicamente, as maiores cidades do Japão. Aos seus familiares, declarou então o Imperador que estava disposto a terminar com a guerra, quaisquer que fossem as consequências que lhe acarretassem. E, finalmente, depois de áspera luta,  Suzuki conseguiu a aquisciência do Supremo Conselho de um entendimento direto com Moscou, no sentido de se obter a paz. Os membros do Supremo Conselho, entretanto, não se dedicaram a tentar de fato as negociações.

Essa demora esgotou a tolerância de Hirohito porque, já impaciente e exausto depois de alguns dias de espera, ordenou ao conselho que se agisse imediatamente. 

A 22 de julho, fez irradiar uma proclamação que, apesar da sua ambiguidade oriental,  revelava de maneira clara a sua intenção de assumir, pessoalmente, a chefia do país, colocando-se acima da Dieta Japonesa e das próprias Forças Armadas. 

Devido a um rigoroso controle militar das comunicações, que impedia o contato direto com os Estados Unidos, Hirohito ordenara a Suzuki, em 7 de julho, que solicitasse permissão da Rússia para enviar a Moscou um emissário pessoal do Imperador. Hirohito já havia escolhido para essa missão o príncipe Konoye a quem dera carta branca para obter paz a qualquer preço, inclusive a rendição incondicional. Nesta eventualidade o Imperador aprovaria publicamente a decisão, antes mesmo que os militares tivessem dela conhecimento. 

Mas este plano falhou como os anteriores. O pedido ao Governo Soviético para que recebesse Konoye  foi transmitido, pelo rádio, em 10 de julho, mas os dias foram passando sem qualquer resposta de Moscou. Stálin e Molotov partiram para Potsdam, em silêncio enigmático. Moscou pediu "esclarecimentos mais positivos sobre a missão de Konoye". O Imperador reafirmou que desejava a mediação custa para a paz, mas não recebeu resposta alguma. 

O Governo Americano teve conhecimento de todas essas iniciativas, exceto das negociações com Melik. O ex-Presidente Hoover, por sua vez, declarou às altas esferas de Washington de que a nomeação de Suzuki significava que os japoneses estavam dispostos a capitular. Em sua opinião, se lhes fossem oferecidas duas condições - a conservação do Imperador e a posterior organização de um governo liberal, de sua livre escolha - eles se submeteriam a quaisquer outras exigências. Hoover assinalou também que os EUA tinham oportunidade de fazer a paz sem as inevitáveis complicações soviéticas, uma vez que a Rússia não estava em guerra com o Japão. Ignoro que medidas tomou o Governo Americano entre maio e julho para se valer dessa oportunidade tão favorável que lhe foi oferecida. É óbvio, entretanto, que a bomba atômica não só induziu o Imperador a se render como não influiu no resultado final da guerra. 

Em 26 de julho foi conhecida a Declaração de Potsdam. Tanto o Imperador como os japoneses liberais consideraram-na  como base aceitável para a reedição, mas o Supremo Conselho discordou mais uma vez. A 6 e 9 de agosto, explodiram as bombas atômicas, e a Rússia declarou guerra ao Japão. No dia 9, o Supremo Conselho aceitou os termos de Potsdam Potsdam com quatro ressalvas -  que a Dinastia se mantivesse; que o Japão não fosse ocupado;  que o próprio Japão dirigisse o seu desarmamento e evacuação de tropas; e que ficasse a seu cargo o julgamento dos responsáveis pela guerra. 

Convencido de que essas condições não conseguiu sequer suspender os bombardeios aliados, Hirohito ordenou ao Supremo Conselho que voltasse a se reunir pouco antes da meia-noite, no seu palácio temporário - pequena casa construída sobre um dos mais profundos abrigos antiaéreos do Japão.

E foi nessa desolada Tóquio, iluminada apenas pelos braseiros que de dia e de noite  fumegavam em toda a cidade, que começou o mais impressionante debate da história do Japão. A noite estava quente e úmida; os mosquitos, saídos do fosso de água estagnada à volta do prédio, zumbiam inoportunos sobre a mesa, quando os líderes do Japão para ela se acercaram, suando, abalados e trêmulos. Estavam presentes o Imperador, seis membros do Supremo Conselho e o Barão Kuchiro-Hiranuma, presidente do Conselho Privado.

Um após o outro, os 3 chefes militares do Conselho - o Ministro da Guerra, Korechika Anami; o Chefe do Estado-Maior do Exército, General Yoshijiro Umezu; o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Soemu Toyoda - manifestaram-se contra a capitulação. Haviam perdido o ar taciturno e a calma estoica. Choravam. A rendição lhes  parecia inconcebível. Avante! Frenéticos, suas vozes estridentes clamavam por nova dilação. O velho Primeiro-Ministro Suzuki, tremendo de emoção, mas peremptório, pediu que fosse a matéria a votos. Com 2 balas no corpo a lhe lembrar que o atentado dos extremistas, 10 anos antes, não ignorava que o fanatismo dos militares poderia, facilmente, precipitar um golpe de Estado e a morte de todos os que deles discordassem. Suzuki, entretanto, foi implacável. Um a um, votaram os presentes. Os três militares mantiveram-se irredutivelmente contrários à rendição, a menos que a mesma não implicasse a ocupação do país e lhes fosse dado desarmar as suas tropas. Dos 7, apenas 4 - Suzuki; o Ministro do Exterior, Shigenori Togo; o Ministro da Marinha, Mitsumara Yonai; e o Baão Hiranuma - votaram pela rendição, sob condição única de ser mantida a dinastia do Imperador.

As decisões do Conselho, de acordo com a sua inflexível tradição jamais quebrada, devem ser unânimes. E o Imperador, que até então se mantivera calado, usou da palavra. Serena, mas friamente, observou que os planos militares, desde o início da guerra, se haviam desenvolvido em bases totalmente alheias à realidade. "Considerando a situação, tal qual se nos apresenta - prosseguiu - é inútil continuar a terra, a custa de vidas e de propriedades. Acabo de ouvir aqueles que se opõem à suspensão da luta. Mas não mudei de opinião; tenho confiança nos Aliados e a seus termos de paz quero aceitá-los integralmente". Depois de uma pausa, em voz de comando, proferiu a primeira ordem que o Supremo Conselho Japonês jamais ouviu de um Imperador: "Quero que todos os senhores concordem comigo."

A reunião prolongara-se pela noite adentro; eram, então, quase 3 horas da madrugada. Quando Hirohito acabou de falar, curvaram-se os membros do Supremo Conselho com lágrimas nos olhos. O Ministro da Guerra, Anami, quebrou o silêncio. De joelhos, arrastou-se até junto ao Imperador, que lhe deu as costas, desdenhosamente. Num grito angustioso, Anami implorou-lhe: "Por favor, temos um plano, Vossa Majestade não pode se render!" Chegando mais perto, ainda de joelhos, tentou agarrar a aba do paletó do Imperador, que recuou, desagradado. Voltando-se para os presentes, segundos depois, Hirohito repetiu lhes: "Quero que os senhores concordem comigo" e abandonou a sala. 

Ao amanhecer, retiraram seus conselheiros, tendo expedido, de acordo com o desejo do Imperador, telegramas à Suécia e à Suíça para serem retransmitidos aos Estados Unidos, Inglaterra, China e Rússia. Aceitariam incondicionalmente a Declaração de Potsdam desde que a Casa Imperial e os direitos do soberano fossem reconhecidos. Mas a batalha contra os militaristas -  contidos temporariamente pelo respeito ao Imperador - não terminara ainda. Três dias depois, os Aliados replicaram que o "Governo do Japão devia ser constituído pela vontade expressa do povo japonês". Reabriram-se, por esse motivo, inflamados debates no Supremo Conselho. O Ministro da Guerra e os chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Marinha reclamaram a continuação da luta, argumentando que a resposta aliada implicava na abolição do sistema imperial. Enquanto isso, aviões americanos deixavam cair, sobre o país inteiro, cópias da Declaração de Potsdam e da resposta do Japão. 

O Marquês Kido, Ministro do Selo Privado e um dos confidentes do Imperador, entregou-lhe, pessoalmente, um desses folhetos. Temiam que o Exército, distribuído em grande parte ao longo do litoral  e desconhecendo, portanto, a tremenda destruição das cidades, pudesse se revoltar ao saber que o Japão aceitara a reedição. Oficiais fanáticos poderiam incitar o seus homens à resistência, persuadindo-os de que a aquiescência do Imperador fora forjada. Hirohito, porém, sabia que o povo, desorientado pelos bombardeios e ciente, desde muito, do verdadeiro quadro da guerra, por meio dos folhetos lançados pela aviação americana, receberia com agrado a reedição. Tornava-se, porém, necessária a irradiação imediata de uma Proclamação Imperial, a fim de prevenir desordens e derramamento de sangue. 

Ainda uma vez, na manhã de 14 de agosto, o Imperador convocou o Supremo Conselho. Quando os 2 chefes do Estado-Maior e o Ministro da Guerra opuseram-se  violentamente à rendição, o Imperador olhou-os com expressão ameaçadora. "Minha decisão de aceitar a Declaração de Potsdam - observou -  não foi adotada levianamente. E em nada mudou. A menos que a guerra termine nesta conjuntura, o regime político do Japão será destruído e o seu povo aniquilado. No futuro o Japão inteiramente desprovido de meios de fazer a guerra, poderá repousar na verdadeira paz eterna. E como desejo esclarecer o povo japonês, determino-lhes que redijam uma Proclamação Imperial nesse sentido". E encarando, de novo, ameaçadoramente, os militares, concluiu: "Exijo o assentimento de todos os presentes".

À tarde, a Proclamação estava pronta. Às 11 da noite o Imperador terminou de gravá-la em disco. O mensageiro que deveria levá-la para os estúdios da Rádio de Tóquio, a fim de ser transmitida a toda a nação, estava prestes a sair quando se verificou que cerca de 1000 soldados insubmissos haviam se infiltrado nos jardins do palácio. Antes que alcançassem o prédio, o disco foi ao cofre de Hirohito. 

Por 6 vezes as tropas rebeldes invadiram o palácio à procura do disco e dispostas a matar o Marquês Kido, a quem atribuía um relevante papel na rendição. Kido ocultara-se numa passagem subterrânea secreta do palácio, e o próprio Imperador, também receando ser assassinado, achava-se escondido em outra parte da casa. Enquanto isso, outras tropas incendiavam a casa de Suzuki. Às 4 horas da madrugada suicidou-se o Ministro da Guerra, Anami, sucumbido pela tentativa de golpe de  Estado e por sua oposição ao Imperador. Pouco depois das 8 horas chegou o general Chizuichi Tanaka, do Comando de Leste, que conseguiu persuadir os soldados a se dispersarem. Dois de seus oficiais se suicidaram. Recolhendo-se aos seus aposentos, o general Tanaka imitou-lhes o gesto desesperado. Ao entardecer, a Proclamação Imperial já fora irradiada e a nação ouvira, do próprio soberano, a notícia da capitulação final.

Como Chefe de Estado, o Imperador compartilhava, tecnicamente, com seus lugares-tenentes, da responsabilidade da guerra. Isso não diminuiu, entretanto, o drama de um Imperador que ousou se opor a militaristas fanáticos, subtrair-lhes o poder e, com indomável força de vontade, compeli-los à rendição.

Segunda Guerra Mundial - Ultra-secreto (Seleções do Reader's Digest - Ed. Ypiranga S.A. - 1963 - impresso no Brasil)


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